O Abelha
Estudava pouco, mas, ao contrário de outros, não se interessava por futebol nem por miúdas. O que lhe arrebitava as orelhas era ser delegado de turma. A responsabilidade, o ganho de confiança dos colegas, o acesso à sala de professores e, de vez em quando, ao gabinete do director da escola. Aos quinze organizou as primeiras escolíadas, um ano depois chefiava uma lista à associação de estudantes. O pai fazia-lhe resumos de princípios políticos que ele decorava. Entestou uma colecção inteira de histórias de grandes políticos europeus de um conhecido semanário.
Caiu nas graças da organização de juventude do partido ( todos lá em casa eram do partido) e passou três anos agarrado ao telemóvel e a fazer recados ao seniores. Aos vinte foi eleito primeiro-vogal da comissão política nacional. Entrou na faculdade mas não tinha tempo para copiar, por isso dedicou-se ao partido. Teve algumas namoradas que o acahavam um xuxu ainda que um bocadito enfadonho.
Aos vinte e cinco anos,o sol raiou sobre a sua vida. O doutor convidou-o para integrar as listas de deputados num lugar elegível. Já era membro da Confraria da Morcela de Arroz e palestrava com regularidade nas reuniões do Rotary.Todos os meses saia uma entrevista sua ao jornal da terra, porque tinha sido nomeado para a Divisão de Serviços de Interesse Geral da Direcção de Espaços Públicos da empresa municipal de águas e resíduos: nome longo, pouco serviço, salário suficiente.
Uma legislatura inteira a aprender com os líderes da manada, eficiente e discreto, atento a rivais. O tempo na assembleia serviu-lhe para ganhar a confiança de colegas e jornalistas. Na terra natal prometia uma palavrinha, porque ele não era homem de esquecer as origens. Quando a coisa não funcionava culpava suavemente um qualquer político do partido, desses graúdos de Lisboa que não se interessavam pelo país real. Concluiu a licenciatura e fez uma festa discreta.
Aos trinta e um anos, numa tarde morracenta de Outubro, o telefone tocou. Tinha havido uma baixa no governo. Queriam saber se ele estava interessado. A secretaria de Estado precisava de um assessor e o engenheiro, antigo patrão nas águas e resíduos, lembrou-se dele. A mãe deu-lhe um beijo ornado de profecia cumprida. Oito meses depois substituia o engenheiro como secretário de Estado.
No primeiro fim de semana livre a seguir à tomada de posse, num bar da sua terra, um velho amigo recordou-lhe: sempre foste uma abelhinha.
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