Canabis: projecto canadiano
Este artigo sobre o Cannabis Act é bastante completo e interessou-me, sobretudo, a criação do mercado ( pp 8), ou seja, o controlo da produção e da distribuição. Assistir à a primeira regulação nacional ( federal no caso) do consumo de uma substância psicoactiva é um desafio formidável.
O actual estatuto das drogas demorou , entre o balão de ensaio
filipino ( 1908) e a Single Convention de Nova Iorque ( (1961) ,
cinquenta e três anos a ser preparado. As primeiras tentativas -
conferências de Xangai ( 1909) e Haia ( 1912) -, apontaram a direcção que
Harry Aslinger, o patrão do FBN ( Federal Bureau of Narcotics, o
pseudo-antepassado da DEA) , durante os anos 30 e 40, seguiu: controlo da
produção e interdição do comércio. As proibições do consumo foram as
telhas, e as últimas , do edifício.
A conferência de Geneva, em 1931, oficialmente cunhada, e não por acaso, como Conference on the Limitation and Manufacturing of Narcotic Drugs, tocou nos mesmos aspectos que o projecto canadiano hoje toca. Ou seja, para proibir, o primeiro passo foi:
a) limitação da manufactura farmacêutica para fins medicinais.
b) controlo da produção e comércio deforma a que essa limitação fosse efectiva
Para legalizar e normalizar uma substância psicoactiva, a canabis, a manufactura tem agora em vista o uso recreacional. O problema, do ponto de vista da historia das drogas do sec XX, é o do controlo da produção e venda. Os canadianos estão a estudar três modelos: público, privado e meio-termo.
O edificio proibicionista foi assente na necessidade das convenções e tratados internacionais. Fuller, Aslinger e muitos outros advogados proibicionistas sabiam que os loopholes seriam mortais. Deveriam ter reconhecido que a produção e comércio ilegais seriam inevitáveis. Foi isso que estralhaçou o seu projecto, fanático e religioso ( fica para outra altura), mas o controlo da produção e comércio legais foi cumprido.
Ora, o que retiramos para uma operação inversa como é o projecto canadiano? Tecnicamente parece sólido, perfeito até se o Canadá fosse o único país do mundo. Vai, no entanto, sofrer de alguns problemas.
Um, menor, prende-se com o vizinho : os EUA, são os maiores consumidores mundiais a seguir à Islândia ( pois é, a Holanda nem entra no top 10). O controlo da produção e da distribuição previsto pelos canadianos vai sofrer da proximidade apenas no factor distribuição. Será inevitável a entrada de canabis pela fronteira, o que pode desregular a ....regulação.
O problema maior poderá ser este . E este prende-se intimamente com a natureza do processo. Os proibicionistas, nos cinco decénios que levaram a erigir a proibição, não deixaram de fora nenhuma droga excepto o álcool ( e essa já estava regulada). As estruturas e rotas de tráfico vão adaptar-se e podem criar sarilhos ao projecto canadiano. Os ciclos de consumo e a variação do perfil dos consumidores mostram, na história das drogas, uma preocupante certeza: contaminação.
Uma sociedade em que vão coabitar utilizadores legais de canabis com, por exemplo, os actores do aparelho ilegal de comércio de heroína e cocaína, pode vir a ser problemática. As pessoas e os lugares não são estanques. Com o álcool o problema não se coloca porque está regulado e controlado, mas com a heroína e a cocaína coloca-se: os traficantes vão aproveitar a aberta.
Julgo, portanto, que o único modelo razoável, numa primeira fase, será o do controlo público do comércio e distribuição. Sobrarão outras dificuldades , culturais e sociais. Se puder volto ao assunto.
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