Catequese portuguesa ( 2)


Sentia-se um bocadito culpada por não ter  podido ir no dia certo.  Talvez se tivesse feito um esforço. Talvez não. A reunião nunca teria terminado antes das três da tarde. Fosse como fosse,   a mãe nunca ligou  ao dia de anos, dizia que  queria era estar com os filhos. 
Ia estar  com  a mãe num sábado maravilhoso de sol. Setenta  e seis anos feitos e em casa, não num lar  nem numa casa de repouso. Era uma canseira, a mãe  implicava com a as senhoras.  No ultimo ano  foram três. E o dinheirão: entre meses pagos de avanço para evitar sarilhos e cumprir a lei e os ordenados delas. Seis dias por semana vinte e quatro horas  sobre vinte  e quatro. Hoje era folga da Idália, o almoço ficou feito.
Teresa estava pronta. Logo hoje que não lhe apetecia vestir-se. Teria preferido pôr um robe sobre  a camisa de dormir e ficar na cama  ver  a RTP Memória. Não era saudosismo nem velhice. Os programas que gostava já só passavam no arquivo. O Hermano Saraiva, o Júlio Isidro e outros. Enfim, a filha meteu na cabeça que  queria  vir almoçar , o que é que podia fazer?  No dia em que fez anos,  esteve sozinha como um cão. O filho enviou-lhe uma mensagem para o telemóvel com a desculpa que  telefonou antes mas a mãe estaria a dormir e não atendeu. Bem, coitado, tem muito trabalho lá na Noruega, não tem vagar para conversas, mas a Luísa vive  a dois passos. O banco marcou-lhe uma reunião  que acabou tarde. Lérias.
Sarabandou pela casa e parou ao pé da mesa com as fotografias. A do marido, um doente chato e  insuportável nos últimos anos de vida. Gostava da fotografia. Favorecia-o. Pudera, morreu  novo sem conhecer, por pouco,  os sessenta. A ela  a vida não poupara os diabetes,  uma colecção de artroses e, claro, aquela solidão asquerosa. Disse-lhe  a filha no outro dia -  a mãe tem muita sorte em não estar num lar como a tia Rosinha. Desavergonhada. Hás-de lá chegar  para veres como é.
Luísa conduzia devagar como se pudesse evitar o almoço. Percebera bem o remoque. A mãe descrevia-a como uma  bancária, daquelas que atendia as pessoas que iam levanter as reformas. Fazia de propósito ou então ainda vivia  no mundo de antigamente. Rebaixava-a. Foi sempre assim. O irmão é que era o senhor engenheiro da multinacional. Pensava muitas vezes se ia acabar como a mãe, sozinha e amarga. Se era para isto que servia ter tido uma família. Aturava-lhe as manias, tratava de todas as papeladas,  telefonava-lhe várias vezes por semana. Nada. A mãe  fazia  a figura da abandonada. Cabra.
Teresa demorou a abrir. Que estava com  muitas dores. Luísa deu-lhe um beijo e o presente, um sortido de chás. Teresa agradeceu, com um meio sorriso, mas explicou que agora só bebia chá de limão. Fica aí para umas visitas.  Sentaram-se à mesa com  a televisão ligada e debicaram a lasanha aquecida. Falaram do tempo. Parece que vai chover.

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