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A mostrar mensagens de abril, 2018

Sinais ( 15)

Continuando com as ideias anarquistas , a cozinha e a estética do gosto, porque a chuva voltou e sabe bem. Uma das suas formas do consumismo é o anarquismo fast food. Partir umas montras, sonhar com a revolução, odiar a bófia. Este pacote desonra a representação anarquista nas suas várias declinações. É um hamburger com ketchup e fritas. A ideia de uma vida  não baseada na acumulação nem no aparelho repressivo do Estado é uma belíssima ideia. Afasta os comunismos reais e a retórica predadora  do capitalismo. Como muitos dizem, afasta até a ideia de uma sociedade tal como hoje a concebemos. Sim, exceptuando tribos isoladas, como os Piaroa  do Orenoco ou os Tiv da Nigéria central, os  Rios de Onor por aí espalhados ou o velho ícone da comuna de Paris, é difícil encontrar  exemplos sem regressar  ao Paleolítico. Não é por isso que deixa de ser uma bela ideia. As belíssimas ideias  são como o  sexo perfeito, uma intenção perpétua cuja concretização deixar-nos-ia a lamber sabão par

O partido Zelig

Deixando de lado  as exaltações moraleiras ( que acabaram no ridículo, como é obrigatório), a nova direcção  do PSD   apresenta uma opção muito interessante: fazer tudo igual ao PS, mas melhor. Temos assim que o partido vai ser mais solidário com os mais pobres, mais generoso com os pensionistas, mais  auxiliador dos estudantes; também fará mais investimento público, reduzirá mais défice, agilizará mais a burocracia, aliviará mais a carga fiscal, reformará melhor a justiça. Esta opção muito interessante depara-se, no entanto, com um pequeno obstáculo: convencer os eleitores de que vai fazer tudo o que o PS faz, mas melhor. Para tal, socorreu-se de gente com ideias  frescas como  Ângelo Correia, Arlindo de Carvalho, Álvaro Amaro, Silva Peneda, Barbosa de Melo ( filho). Caberá aos eleitores depositar nesta equipa, descomprometida com fracassos anteriores, a confiança necessária. Os primeiros sinais são bons: muita gente do PS, até da ala esquerda do partido, tem elogiado  e de

Sinais ( 14)

A cozinha é uma actividade anarquista e por isso recupera raízes tão antigas. Não é bem uma organização nem uma sociedade, mas uma ideia anarquista. Mesmo quando cozinhamos só para nós, pensamos : fulano ou beltrana haveria de gostar. As mais das vezes cozinha-se para partilhar, para oferecer, recusando a ideia de posse. A comida  só existe para ser repartida. Mauss sabia isto tudo. Até porque as tais  raízes  são colectivas  e estranhas à ideia de lucro. Claro que, como tudo o resto, a cozinha soçobrou ao apetite comercial e ao abastardamento dos géneros. Da indústria alimentar de massas ( as humanas...)  à  estética pornomolecular , pode sobrar pouco para a militância anarquista, mas sobra alguma coisa.Escolher nos mercados tradicionais  as pequenas vendas das velhotas,  ignorando  as bancas compostinhas, é um passo. As trocas envolvem dinheiro, é verdade, mas cinco euros trazem tomates, ovos sujos, coentros, cebolas novas terrosas e ainda sobra. Outro passo pode ser remar

Sinais ( 13)

Um dos melhores recrutadores do NKVD viveu , nos anos 30, em Lawn Road, Hamsptead,  ao lado da casa onde vivia  Agatha Christie.  Segundo Hastings, Arnold Deutsch, de seu nome, foi o mentor inicial do Cambridge Five, que incluiu  famosos como Philby ou Blunt. A realidade nas barbas da imaginativa  Agatha  Christie.  As fake news são uma brincadeira  de crianças ao pé dos elegantes e educadíssimos meninos ingleses que se converteram ao comunismo  depois das purgas assassinas de Estaline. Dizia  um deles : tínhamos de inventar  um paraíso qualquer nesta terra . Daí o assunto de hoje: a necessidade de acreditar, como na pastelada dos Ficheiros Secretos. O homem das teorias da motivação, Maslow, não a  inclui no lote, mas a necessidade de acreditar é  quase tão velha como a espécie humana. A teknai só lhe forneceu mais e melhores meios.

Tachos, panelas e nostalgia ( 2)

Sobre os feijões, escrevia  mestre Aquilino:  de todas as cores  e matizes, a  ponto de vistos em mescla numa teiga poderem imitar  as gemas de vária espécie, com que se há-de espaldar  a orelheira  do cevado  e a couve troncha ?  Em quantas famíias urbanas se come,  hoje, com regra, essa espécie?  Nos restaurantes é a saladinha de feijão frade com atum de conserva e já vais daqui. Abundantes são as feijoadas, é certo, as mais das vezes todas iguais, com chouriço insalubre  e piano de porco industrial. Nas casas urbanas, como dizia, é um deserto igual. Dêem à família uma sopa  de feijão com todos e ela manda-vos o jantar pela janela. Couve segada miúda, feijão vermelho, caldo  engrossado de cebola  e cenoura, um nabito à coca, umas talhadas de entremeada salgada.  Nem vocês têm tempo para tal preparo. Uma sopa destas precisa de muito minuto e pouco lume. Só assim os aromas e os sabores se mesclam e partilham com o caldo a benção generosa. Aqui que ninguém me ouve, é com caras de

Tachos, panelas e nostalgia ( 1)

No no período em fui cronista na revista Ler, fiz uma série  aproveitando a tirada do Eça: somos o que comemos . Vou agora colocar aqui no blogue outras notas, noutro sentido. O foco ( não exclusivo)  vai ser na mesa de casa. Nos restaurantes  já não se pode fechar  o jantar com o belo  fumo, mas os cães  podem entrar. Lugares estranhos. Uma das batalhas perdidas é a da simplicidade. Se  disser  à cria mais nova, adolescente,  que o almoço é um prato de grelos ( de nabo) e batatas caseiras ( das pequenas bancas do mercado geridas por matusaléns femininas sorridentes)  regado com azeite de lei ( de azeitonas que não esperaram quinze dias para ir à prensa e por isso não acidulam o suco), ela não acredita. A simplicidade tem de acasalar com a qualidade, claro. Nos supermercados vendem-se grelos que sabem  a a fundo de copo de cerveja da véspera. Ainda assim, isso não ofusca o essencial: por muito bons que sejam os grelos  e as batatas ( e o azeite), se não há  batatas fritas não há

Catequese portuguesa ( 2)

Sentia-se um bocadito culpada por não ter  podido ir no dia certo.   Talvez se tivesse feito um esforço. Talvez não. A reunião nunca teria terminado antes das três da tarde. Fosse como fosse,    a mãe nunca ligou   ao dia de anos, dizia que   queria era estar com os filhos.   Ia estar   com   a mãe num sábado maravilhoso de sol. Setenta   e seis anos feitos e em casa, não num lar   nem numa casa de repouso. Era uma canseira, a mãe   implicava com a as senhoras.   No ultimo ano   foram três. E o dinheirão: entre meses pagos de avanço para evitar sarilhos e cumprir a lei e os ordenados delas. Seis dias por semana vinte e quatro horas   sobre vinte   e quatro. Hoje era folga da Idália, o almoço ficou feito. Teresa estava pronta. Logo hoje que não lhe apetecia vestir-se. Teria preferido pôr um robe sobre   a camisa de dormir e ficar na cama   ver   a RTP Memória. Não era saudosismo nem velhice. Os programas que gostava já só passavam no arquivo. O Hermano Saraiva, o Júlio Isi

Sinais (12)

Não temos uma visão clara da actual mobilidade das relações duradouras. Os números  indicam, com  tenacidade,  o aumento progressivo dos divórcios , mas isso diz-nos pouco: tenho na consulta  casais  juntos há vinte anos, com filhos, e que nunca passaram no cartório. A langue de bois remete-nos para  a crise, a falta de emprego etc, diz a drª Fidélia Proença de Carvalho no link supra. Isso deve querer dizer que, agora, com a recuperação, os números vão baixar. Está bem abelha. Do meu pequeno canto faço outras contas. As relações longas tendem a cristalizar em categorias anti-amorosas: a cooperação familiar, a economia  comum, a propriedade sexual. Ora, a base da uma relação amorosa, o strata essencial, é a atracção mútua. Sem ela, as relações longas caem num amável logro: temos uma relação porque estamos juntos. As relações amorosas, quaisquer  umas,  assentam no princípio inverso: estamos juntos e por isso temos uma relação. Já sei que me  vão falar do desgaste natural do te

Catequese portuguesa ( 1)

Era uma boa vida. Nenhum dos amigos tinha aquela vida. Nem o irmão.   Um   amável spread   da hipoteca da casa – um magnífico   três assoalhadas com sotão, garagem e dois arrumos independentes   -, um BMW turbodiesel acabadinho de comprar só com 180.000 km vindo mesmo da Alemanha, uma família espectacular: duas filhas lindas e estudiosas e uma mulher amiga e companheira. Alves comia a sua granola   linha zero   ao final da tarde, saboreando um merecido sossego. As filhas tinham ido passar o feriado   a casa dos avós, a mulher estava nas compras, aquelas coisas que deixam as mulheres felizes e plenas. Nesse mesmo instante,   num quarto aquecido, no outro lado da cidade, Raquel acabava de se vestir. Ele era   doze   anos mais novo do que   ela e isso notava-se bem. A barba da moda, o cabelo   louro desordenado, o olhar malandro e ainda agarotado. Por consequência, era quinze anos mais novo do que o marido e isso também se notava muito bem.   Apaixonadíssimo, cobria-lhe o corpo